Lições de Literatura Russa, Vladimir Nabokov
Para quem ama a Literatura Russa e seus maiores escritores, indico esse livro “Lições de Literatura Russa”, sem pestanejar. Ele reune os manuscritos e suas respectivas anotações das aulas ministradas por Vladimir Nabokov nos cursos sobre Literatura Russa nos Estados Unidos, enquanto lá esteve exilado.
Que privilégio desses alunos!! Quisera eu!!
Vladimir Nabokov, o célebre escritor de “Lolita”, nasceu em 1899 em São Petersburgo, em uma família da antiga aristocracia russa. Com a revolução bolchevique em 1917, ele abandona a União Soviética, estuda em Cambridge onde licenciou-se em literatura russa e francesa.
Inicia a sua produção literária em 1926 e publica o seu primeiro romance, “ Maria” que foi bem acolhido.. Em 1940, Vladimir Nabokov, Véra e Dmitri, voaram de Paris para Nova York escapando da invasão dos Nazistas (Véra tinha ascendência judia). Nos Estados Unidos, inicialmente ele trabalha para o Museu de História Natural, classificando borboletas. Durante o verão de 1941 ele dá aulas de Escrita Criativa na Universidade de Stanford.
Vladimir Nabokov nas décadas de 1940 e 1950 se dedica ao ensino da língua e literatura russa em universidades americanas como Stanford, Wellesley College e ainda trabalharia em Harvard e Cornell também. Faz disso o seu ganha pão no exílio e o faz com primor. Sendo ele também um grande crítico e escritor, sente-se à vontade ao falar dos grandes autores de ficção russos do século XIX e início do século XX: Gógol, Turguêniev, Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov e Górki. Sua apreciação é científica e também artística, ele se concentra no detalhe, que é uma característica sua como escritor. Os escritores russos comentados nesse livro, faziam parte da lista dos autores estudados nos cursos de Literatura Russa em tradução. Incluía autores russos menores, mas as anotações não foram preservadas.
“Ele se utilizou intensamente as citações e as narrações interpretativas de modo a tornar inteligíveis aos alunos os sentimentos que deveriam experimentar durante a leitura, as reações que tais sentimentos deviam despertar .. seu método consistia em fazer com que os alunos compartilhassem de seu entusiasmo com a bela escrita, envolvendo-os numa realidade diferente que é tão mais real por ser uma imagem artística. Foi um compartilhamento de experiência com o conhecimento de causa, sendo ele um escritor podia lidar com os escritores analisados em seus terrenos. Ao insistir de forma constante na leitura inteligente, ele entendeu que nada se comparava ao domínio dos detalhes pelo leitor como chave para desvendar o segredo de como funcionam as obras primas.”
Em 1955 publica “Lolita” em inglês e a partir de 1958 já consagrado como um grande escritor, dedicou-se inteiramente aos seus principais interesses: literatura e a entomologia.
Essas aulas foram reunidas nesse livro “Lições da literatura russa” em 1981 por Fredson Bowers, que organizou esses manuscritos. Nabokov analisa os principais livros e seus autores desse período (sec XIX e início do XX), não escondendo suas preferências como é o caso de Tolstói (o mundo de Tolstói era uma imagem perfeita do mundo que Nabokov perdera), Gógol e Tchekhov.
“Aquele que prefere Dostoiévski ou Górki a Tchekhov nunca será capaz de apreender a essência da literatura e da vida russas”
“ Nos meus tempos de professor, esforcei-me para oferecer aos alunos de literatura a informação exata sobre os detalhes, sobre a combinação dos detalhes que produzem a centelha sensual sem a qual um livro é algo morto. Nesse sentido as idéias de caráter geral não tem a menor importância. Qualquer imbecil pode assimilar os pontos principais da atitude de Tolstói com respeito ao adultério; porém, a fim de desfrutar da sua arte, o bom leitor precisa querer visualizar, por exemplo, as acomodações em um vagão do trem noturno que fazia ligação entre Moscou e Petersburgo cem anos atrás”
Selecionei abaixo, algumas opiniões de VN sobre esses grandes escritores:
Alexander Sergueievitch Pushkin , 6 de junho de 1799, Moscovo- 10 de fevereiro de 1837, São Petersburgo
“o primeiro grande escritor russo……escrevia poemas extremamente sutis, extremamente independentes e extremamente imaginativos acerca de qualquer coisa sobre a face da terra”
Nikolai Gógol – Hohol, Poltava, Ucrânia, 20 de Março de 1809 – Moscovo, 21 de Fevereiro de 1852
“O inspetor Geral e Almas Mortas são produtos de sua fantasia, de pesadelos particulares habitados por seus próprios e incomparáveis seres imaginários.
Gogol era uma criatura estranha, mas o gênio é sempre estranho
Quando Gogol tentou escrever na caligrafia redonda da tradição literária e tratar idéias racionais de forma lógica seu talento o abandonou, mas quando no imortal “O capote”, verdadeiramente soltou as amarras e navegou feliz à beira do seu precipício particular, mostrou ser o maior artista que a Rússia já teve”
Ivan Sergeievitch Turguêniev, 9 de novembro de 1818, Oriol, Rússia – 3 de setembro de 1883, Bougival, França.
“Ele era bem mais feliz vivendo no exterior do que na Rússia. Mantinha relações de amizade com Merimée e Flaubert. Seus livros foram traduzidos para o francês e o alemão. Sendo o único escritor russo de certa estatura conhecido nos círculos literários ocidentais , era inevitavelmente considerado não apenas o maior, mas de fato “o escritor russo”. Ele impressionava os estrangeiros por seu charme e maneiras elegantes, mas nos encontros com autores e críticos russos assumia uma postura defensiva e arrogante. Teve brigas com Tolstói, Dostoiévski e Niekrassov. Tinha ciúmes de Tolstói, embora ao mesmo tempo apreciasse seu gênio
Era extremamente popular junto ao público leitor russo. Os sentimentos humanísticos e liberais que ele expressava atraíam o público, principalmente os jovens.
As detalhadas referências musicais de Turguêniev foram uma das coisas que irritaram terrivelmente seu inimigo Dostoievski.”
Fiódor Dostoiévski (1821- 1881) “Minha posição em relação a Dostoiévski é curiosa e difícil. Em todos os meus cursos abordo a literatura a partir do único ponto de vista que me interessa- a saber, o da arte duradoura e do talento individual. Dessa perspectiva, Dostoiévski não é um grande escritor: ao contrário, é bastante medíocre- com lampejos de excelente humor, mas, infelizmente, separados por oceanos de platitudes literárias”.
“….seja como for, não há dúvida de que Dostoiévski era um neurótico e que, desde a infância, sofreu da misteriosa doença que era a epilepsia. Os ataques epiléticos e sua condição neurótica se agravaram consideravelmente por causa dos infortúnios de que mais tarde padeceu.”
” Os primeiros contos de Tchekhov foram escritos a fim de amenizar a pobreza em que vivia a família.
………ele estudou medicina e após se formar na Universidade de Moscou, serviu como assistente do médico distrital numa pequena cidadezinha da província
…….em geral qualquer construção o fascinava, pois em sua opinião essa atividade sempre aumentava a soma total da felicidade humana. Ele escreveu para Górki:
” Se cada homem fizesse o que pode em seu pedacinho de chão, como o mundo seria maravilhoso!” Em seu caderno de notas, ele disse o seguinte: ” O turco cava um poço para salvar sua alma. Seria bom se cada um de nós deixasse uma escola, um poço ou qualquer coisa assim, para nossa vida não se perder na eternidade, sem que aqui fique a menor marca”
” Os livros de Tchekhov são histórias tristes para pessoas com humor: somente um leitor com senso de humor pode realmente apreciar a tristeza que elas contem”
“Era uma brincadeira comum entre os russos dividir seus conhecidos entre os que gostavam de Tchekhov e os que não gostavam. Os que não gostavam não eram boa gente”
” Tolstói é o maior prosador russo”
“Na verdade sua ideologia era tão moderada, tão vaga e tão distante da política que sua arte – tão potente e tão ferozmente brilhante, tão original e universal – transcendeu de muito o sermão. O que de fato lhe interessou como pensador foram a Vida e a Morte – temas que, afinal de contas, nenhum artista pode deixar de tratar”
” O conde Liev Tolstói era um homem robusto com uma alma irrequieta que, ao longo de toda a vida, ficou dividido entre seu temperamento sensual e sua consciência supersensível. Seus apetites com frequência o fizeram desviar da tranquila estradinha rural que o ascético que existia nele aspirava tão apaixonadamente percorrer, assim como o libertino que nele havia aspirava os prazeres citadinos da carne.”
“Não admira, portanto, que os russos idosos, ao tomar chá à noite, falem dos personagens de Tolstói como pessoas que realmente existiram, pessoas que podem ser semelhantes a seus amigos, pessoas que veem com tanta nitidez como se houvessem dançado com Kitty, Anna ou Natacha num baile ou jantado com Oblónski em seu restaurante predileto, como em breve o faremos. Os leitores chamam Tolstói de gigante não porque os outros escritores sejam anões, mas porque ele permanece exatamente com a mesma estatura, em perfeita sintonia conosco, em vez de ir ficando para trás como acontece com outros autores”
Maksim Gorki, pseudônimo de Aleksei Maksimovich Peshkov, 28 de março de 1868, Níjni Novgorod, Rússia – 18 de junho de 1936, Leninsky Disctrict, Moscow Oblast .
O pai de Górki morreu quando ele tinha quatro anos…..” razão pela qual sua mãe enviuvada havia voltado a viver com aquela família medonha”
………”em um mar de lama , havia fileiras de casas, pardas, verdes e brancas. Em todas elas, como na família Kachirim, as pessoas brigavam e discutiam porque o pudim queimara ou o leite coalhara, em todas elas prevaleciam os mesmos interesses mesquinhos com relação a panelas, frigideiras, samovares e panquecas – e em todos os moradores religiosamente celebravam os aniversários e os dias santos bebendo com avidez até quase estourarem”
“Aos dezenove anos tentou se suicidar, o ferimento foi grave, mas ele se recuperou. A nota encontrada em seu bolso começava assim: ” Culpo pela minha morte o poeta alemão Heine, que inventou a dor de dentes do coração….”
As traduções ficaram a cargo do embaixador aposentado Jorio Dauster, que já verteu para o português várias obras de Nabokov, inclusive “Lolita”, “Fogo Pálido” e “Ada ou Ardor – Crônica de uma Família”. A Gazeta Russa entrevistou o tradutor com exclusividade e eu selecionei uma pergunta:
GR: Na sua opinião, os livros deixam transparecer uma faceta mais teórica no romancista russo ?
JD : As lições de Nabokov nada têm de “teórico”, pois seu ensinamento básico é o de que a literatura precisa apenas estimular o senso estético do leitor para ser boa, não devendo jamais servir como veículo para a divulgação de “ideias” ou “mensagens”. A maioria dos tradutores é desancada sem dó nem piedade [por ele], e os alunos são instados a jamais se identificarem com qualquer personagem.
Termino o artigo dizendo que é um livro delicioso de se ler e extremamente instrutivo.