Luzia Simons
Beleza misteriosa, perigosa
Matthias Harder
“A imagem é de uma profundidade incomum, o negrume opaco do fundo desmaterializado enfatizando a plasticidade estonteante dos objetos naturais. Nas fotografias de grande formato de Luiza Simons, os botões de tulipas adquirem um efeito tridimensional. Mesmo quando estão cortadas na borda da fotografia, as flores parecem estar dentro de expositores ou flutuar em um espaço difuso, sem direção, sem em cima ou embaixo. Ora são composições simples de apenas duas flores, ora formações complexas, copiosas até, de flores sobrepostas com seus caules e folhas. A imagem naturalista das tulipas tem uma presença poderosa que nos causa certa inquietação, posto que suas figuras exuberantes parecem nos ameaçar. O que aqui encontramos de elevado e sublime é uma categoria da história da arte pertencente ao tema da paisagem e de sua quase infinita vastidão, perante a qual nós, os observadores, parecemos ínfimos. Graças ao uso de dados de imagens digitais, com alta definição, a artista consegue criar formatos enormes. Unindo partes separadas de uma mesma imagem, ela forma dípticos ou trípticos panorâmicos de vários metros de largura, que recentemente passaram a fazer parte de coleções conceituadas ou a adornar edifícios públicos. Nas exposições coletivas, as imagens florais de Luzia Simons não raro se tornam “key visuais”. O próprio tamanho confere às flores monumentalizadas, quase sempre sensualmente entreabertas, uma grandiosidade e intensidade adicionais.”
A tulipa é o motivo central da série „Stockage“, uma vez que – originária do Kazaquistão transformou-se em símbolo de identidade de Istambul e dos Países Baixos. Suas inúmeras espécies e criações deixam claro para Luzia Simons o que ela chama de „tingimento“ e „transferência de cor“ ou seja, o processo de adaptação e transformação. As flores brilham em meio a um escuro difuso, o que pode ser entendido como uma releitura das naturezas-mortas holandesas, mas que também trata do aspecto da fugacidade. Afinal, a tulipa tornou-se um dos motivos centrais da vanitas após o colapso do mercado holandês em fevereiro de 1637. Com isso, a artista construiu uma ponte – do século XVII até os tempos atuais, com os aspectos típicos da nossa época, como globalização, nomadismo cultural e marcas multiculturais. A quantidade de referências metafóricas que explicitamente se debruçam sobre temas atuais de nossa sociedade transformou o conteúdo aparentemente „adorável” da peça floral em uma mídia discursiva surpreendente. Para além de uma simples “arte pela arte”, Luzia Simons expõe suas flores numa combinação ímpar de precisão material, beleza e Vanitas. Ela desconstrói as imagísticas convencionais desses temas, como ornamentação, modelos ou decorações florais, elevando-as à arte.
Com fotografias, filmes, performances e instalações a artista brasileira residente em Berlim, Luzia Simons vem desenvolvendo um corpo de trabalho, desde os anos 1990, em torno de questões como identidade, memória e globalização. Ela desenvolveu sua linguagem no captar e registrar imagens, que denominou de escanograma Feito para a digitalização de documentos, o scanner não possui lente nem foco. ao contrário das imagens produzidas, correntemente, com lentes fotográficas. Nesta técnica os objetos são colocados diretamente sobre um scanner, que capta, minuciosamente por um sistema de linhas e pontos, todos seus detalhes formais e variações cromáticas. Os scannogramas reproduzem uma luminosidade dramática e quando ampliados em grande escala ganham teatralidade.
Luzia Simons nasceu em 1953, em Quixadá. Vive e trabalha em Berlim. Flowers and Mushrooms (Museum der Moderne, Salzburg, Áustria, 2013), Personificação de Identidades (Bienal de Curitiba, Casa Andrade Muricy, 2013), Wenn Wünsche wahr werden (Kunsthalle Emden, Emden, Alemanha, 2013), Lost paradise (Mönchehaus Museum Goslar, Goslar, Alemanha, 2012), Flowers in photography (Tokyo Art Museum, Tóquio, Japão, 2012); Time, death and beauty (FotoKunst Stadtforum, Innsbruck, Áustria, 2011); Wild Things, (Kunsthallen Brandts, Odense_Dinamarca 2010) Nature forte (Kunstverein Wilhelmshöhe, Ettlingen, Alemanha, 2009) e Garden Eden – A representação do jardim na arte desde 1890, (Kunsthalle Emden, Emden, Alemanha, 2007), são algumas das mostras coletivas de que participou nos últimos anos. Suas exposições individuais incluem: Jardins Alheios (Kunstverein Bamberg, Bamberg, Alemanha, 2012); Stockage (Centre d’Art de Nature, Château Chaumont-Sur-Loire, França, 2009). Stockage (Künstlerhaus Bethanien, Berlim, Alemanha 2006) Stockage (Städtische Galerie Ostfildern, Alemanha 2005) Face migration: sichtvermerke, (Württembergischer Kunstverein Stuttgart, Alemanha 2002) Transit (SESC Paulista São Paulo, Brasil 2001)
Tem trabalhos em coleções públicas como as de Graphisch Sammlung der Staatsgalerie, Stuttgart, Alemanha; Fonds National d’Art Contemporain, Paris, França; Casa de las Américas, Havana, Cuba; University of Colchester, Collection of Latin American Art, Essex, Inglaterra; Museu de Arte de São Paulo Coleção Pirelli, São Paulo, Brasil: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, entre outros.
A identidade como construção cultural é tema central nas obras de Luzia Simons. Suas fotografias, performances e filmes contêm essa indagação mesmo quando ela surge de maneira muito sutil.
No caso de Luzia Simons, o ilusionismo e o naturalismo se combinam de modo singular. Ao se observar seus quadros sente-se imediatamente o desejo de tocar nas flores para certificar-se de sua beleza ou para possuí-las pelo toque.
Nesse jogo de espaços e formatos de imagem, de significados, perspectivas e dimensões, a artista serve-se de um repertório visual praticamente inesgotável, um universo floral.
Fonte: Livro Luzia Simons -Editora Matthias Harder e internet