Silvia Ribeiro nos traz um conto da roça: “UM PASSEIO DA ALMA.”
O fato aconteceu na Fazenda Boa Esperança, lá pelos idos de 1945 —- Vivia na colônia ” das Cinco Casas” o Sr. José Fermiano, mais conhecido como ” José Potoca”. Caboclo de boa aparência, estatura mediana, sempre bem vestido, usava quase sempre um terno de brim cáqui, botinas de elásticos laterais e tinha o hábito de trazer um cigarrinho de palha, atrás da orelha. Ele era conhecido por ser um contador de estórias de valentia e coragem, nas quais ninguém acreditava. Contudo, pela sua maneira afável e também pela sua estrutura muscular bem avantajada, nenhum ouvinte se atrevia a desmenti-lo. Zé Potoca chegava à venda do Pedro Baioque lá pelas três da tarde e ficava até o último freguês ir embora. Todos os dias a mesma coisa : das três horas às oito horas da noite. Zé, permanecia em seu cantinho contando suas estórias. No dia de sábado, jogava truco, por isso, ficava, até as dez da noite. Sentado em seu banquinho, aceitando uma pinga de um e de outro, ia relatando os fatos sempre de valentia que aconteceram em sua terra natal, Machado, no Sul de Minas. Ele bebia pouco, pois cada vez que pegava uma pinga jogava meio copo para os santos, conforme costume antigo, ficando sempre sóbrio para contar sua pataquadas. Ele contava uma infinidade de estórias como aquela dos ciganos que haviam desrespeitado uma donzela lá de Machado. Ele, então, tinha feito justiça com as próprias mãos, já que polícia tinha medo de ciganos useiros e vezeiros de jogar praga naqueles que eram seus inimigos. Ele deu um carreirão na tribo toda, não tinha medo de macumba de pragas, com ele era na valentia. Enquanto isso, sua mulher, a Rosinha do Zé Potoca, trabalhava duro no eito do cafezal para cuidar dos três filhos e do almofadinha do marido. De madrugada, aquela caboclinha de um metro e meio estava fazendo almoço para a família e às sete horas estava carpindo café, o que fazia sem parar a não ser uma hora para o almoço, meia hora para o café, indo para casa às cinco horas da tarde. Chegando ia cuidar da horta, lavar e passar toda roupa lavada, aos sábados e domingos eram os dias de faxina em casa. Rosa era uma pequena grande mulher, de pouca prosa, de olhar sempre voltado para o chão, humildemente sabia levar a vida, educando os filhos com sabedoria. Era realmente a Amélia, a mulher de verdade. Por sua vez, Zé Potoca ficava na venda contando suas estórias. Trabalhar que é bom nada… O que deixava os amigos indignados é que de vez em quando, ao chegar em casa, principalmente aos sábados depois do jogo de truco, O Potoca batia na mulher. Estavam todos prontos para tirar satisfação com o amigo, quando o vizinho de parede e meia, O Pedro Colombo, teve a idéia de espiar por cima de sua parede o que acontecia naquelas noites que o Zé batia na Rosinha. Todos apoiaram a idéia. Apesar de saber que em briga de marido e mulher, ninguém deve meter a colher, Pedro subiu na parede que divide sua casa com a do Zé, bem na hora que ele batia na Rosinha. Ficou boquiaberto quando viu a cena: Zé Potoca de bruços no chão e a Rosinha de pé dando-lhe uma tremenda surra com pau de guatambu. O Zé gritava para que toda vizinhança ouvisse: Toma diaba, eu não tenho motivos para bater, mas você na certa tem motivos para apanhar. Rosinha continuava dando um corretivo no marido vagabundo. No dia seguinte toda a Fazenda sabia do acontecido, até dona Jueri, a professorinha que vinha de ônibus dar aulas para a criançada, estava sabendo do caso. Desmoralizado completamente, Zé Potoca afundou no mato, só vindo para casa para dormir. Os moradores das outras colônias, o pessoal das Fazendas vizinhas não falavam de outro assunto. Dona Rosinha acabou com a valentia do marido, o mineiro valentão de Machado o famoso José Fermiano da Silva. Dias depois, Rosinha foi até o patrão pedir as contas dizendo: Não posso mais ficar aqui na sua Fazenda Sr. Quim ( neste ponto eu invado a estória: Sr. Quim era Joaquim José de Almeida Vergueiro Ribeiro, meu avô paterno). Não posso permitir que meus filhos cresçam em local onde seu pai está desmoralizado, isto iria prejudica-los nas suas condutas futuras, no seu proceder perante a sociedade, que pais de família serão mais tarde? Vejam só; sem ter conhecimento sobre formação de personalidade, caráter, influência do meio ambiente na formação dos filhos, tirou a conclusão sozinha, tirou a conclusão correta apesar de sua pequena escolaridade, mas de grande sabedoria. Zé Potoca tinha razão quando dizia que sua mulher, durante o sono sua alma saia do corpo e passeava pelo mundo dos sonhos, viajando para perto de Deus, onde recebia conselhos como criar os filhos. Ao despertar ela trazia no semblante a radiante alegria de ter visto uma luz eterna, a maior do universo. Soube-se mais tarde que foram felizes na distante cidade de Apucarana, para sempre”
Do Livro Contos da Roça
Autor: Ciro Ribeiro ( meu Tio)
O que fica para mim é que Dna Rosinha, apesar de um jeito torto, amava o seu Zé. Será que há jeito torto ou direito em se falando de Amor? Amava incondicionalmente os filhos. Mas acima de tudo a estória mostrou o caráter, a honradez, a personalidade, o pulso, a fibra dessa caboclinha de um metro e meio. Se há nos dias de hoje Rosinhas, não sei responder, mas pela sua sabedoria e atitude, como se diz ainda na roça: Prá Dna Rosinha tiro o chapéu !!!!!
Silvia Ribeiro.