Alguns desenhos de Picasso
“ Eu quis com o desenho e a cor que eram minhas armas, penetrar o mais profundamente na consciência do homens, de modo que esse conhecimento pudesse nos conduzir cada dia mais longe no caminho da liberdade”. Pablo Picasso.
Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano de la Santíssima Trinidad Mártir Patrício Ruiz y Picasso nasceu em 25 de outubro de 1881 e morreu em 8 de abril de 1973.
Portanto foram 33.402 dias de vida e intensamente vividos.
Não somente a quantidade das obras mas a diversidade de técnicas (pintura, escultura, gravura, desenho, cerâmica, poesia) e especialmente sua criatividade fazem de Picasso um Gênio da Arte.
Picasso homem e Picasso artista são inseparáveis.
Estreitas e amigáveis relações deram a Picasso a oportunidade de incursões em todos os domínios da arte tais como teatro, ballet, fotografia, cinema, poesia e seu engajamento na história.
Sua vida e obra são indissociáveis.
A vida sentimental turbulenta inclui muitos relacionamentos amorosos com muitas mulheres e até com um amigo.
Sua mãe Maria Picasso López foi a mulher que ele mais amou.
As mulheres foram retratadas em suas obras.
O que apresentamos aqui são alguns de seus desenhos.
Desenhos trazidos a público graças a Beniamino Levi, grande amigo das artes, presidente de The Stratton Foundation.
Relatamos trechos de Beniamino Levi , Osvaldo Patani e de André Malraux (ministro da Cultura, França), escritor, poeta e apaixonado pela Arte ao encontrar-se com Jacqueline sua última esposa.
Beniamino Levi:
“Jacqueline me espera atrás de um grande avião. Ela parece com seus retratos: típica Arlsiana, medalha romana no nariz aquilino.Seu rosto tem a docilidade triste de sua voz.Sua roupa de luto coloca um véu negro sobre a lembrança de seus retratos multicoloridos.
Como num sonho partimos.
– “ A Mougins, Nounours” – diz ela ao motorista.
Esse encontro foi solicitado pela própria Jacqueline Picasso, logo após a morte de Picasso.
Jacqueline desejava alguns conselhos sobre problemas jurídicos ligados à sucessão de Picasso.
Malraux prossegue: “ Eu conheço a relação que Picasso tinha com aqueles que o serviam.
Sua camareira tinha um ar de confidente, seu secretário de um discípulo ou de um fâmulo.
Ele inspirava a seu círculo o sentimento de uma superioridade fraternal e era, creio eu, aquilo que ele preferia inspirar “.
As palavras de André Malraux são claramente reveladoras da maneira pela qual um homem, Maurice Bresnu (apelidado por Picasso de “ Nounours”) bem como de sua esposa ( seu nome também era Jacqueline) puderam coletar, durante os dez anos (1967-1976) de colaboração doméstica a serviço do casal Picasso, uma importante coleção de obras, graças à generosidade do grande mestre e de Jacqueline, agradecidos pelos serviço prestados que continuaram mesmo após a morte de Picasso em 8 de abril de 1973.
Os documentos múltiplos – cartões postais – dedicatórias, fotografias – testemunham a amizade que unia o casal Bresnu ao casal Picasso; este último mesmo durante suas numerosas viagens quase nunca deixava de enviar a Nounours cartões postais, frequentemente acompanhados de frases ricas de um “humor familiar”.
Nounours e Jacqueline (sua esposa) guardaram com ciúme a coleção durante 20 anos, sem jamais tê-la exibido.
Nounours morreu em 1991, deixando sua coleção à sua mulher, que só decidiu traze-la a público em 1996”.
A Stratton Foundation, que organiza exposições públicas no mundo todo, tem o privilégio de poder apresentar, através de um ciclo de exposições, esta coleção inédita, composta de mais de 100 obras, desenhos, guaches, pastéis e cerâmicas, criadas entre 1950 a 1972, e da qual o grande parte data da época em que o grande mestre estava com 90 anos e mais.
O caderno de 30 desenhos em nanquim, que vai de 5 a 24 de abril de 1970, permite ao espectador admirar a firmeza do traço deste homem de mais de 90 anos, que compõem figuras frequentemente complexas com um traço contínuo ignorando as hesitações e arrependimentos.
A série de personagens femininas mostra uma vez mais a atração que Picasso, mesmo durante o último “período” de sua longa carreira de criador, manifesta em relação à vida e seus temas mais vitais.
Meu encontro com esse testemunho de lucidez e de criatividade luminosa foi acompanhado de fortes emoções.
Observar estes desenhos admiráveis em seus cadernos originais que, ao serem folhados, restituem a sequência tangível de sua criação cronológica só podia suscitar em mim emoção e admiração.
Saber além disso, que todas essas obras estiveram, durante mais de vinte anos guardadas com ciúme e mostradas somente a alguns íntimos, fez crescer em mim o desejo de mostra-las ao grande público.
Na realização deste projeto, com a colaboração eficaz de Mme. Maya Picasso foi ainda mais precioso.
Profundamente agradecidos dirigimos a ela nossos agradecimento mais a título pessoal mas também em nome da Stratton Fondation”.
Osvaldo Patani:
“ Já se disse de tudo sobre Picasso, mesmo aqueles que não se interessam pela arte sabem que Picasso é O Pintor do século XX, o século do Super – homem, Mickey Mouse, da bomba atômica, do homem na Lua.
Ninguém teve tanta influência na arte moderna quanto ele.
Ele foi, entre outros, o inventor do cubismo.
Ele renovou-se muitas e muitas vezes, criando a cada vez estilos surpreendentes.
Sua longa carreira comporta o “período azul”, o “período rosa”, o período dito “cubismo analítico”, depois o “sintético”, o período “das colagens”, o período “italiano”, o período “ de cristal”, e assim por diante.
E no entanto, Picasso manteve-se ele mesmo, sendo em cada mudança diferente dos outros.
Mesmo tendo passado a maior parte de sua vida entre Paris e o sul da França, seu coração conservou-se espanhol, como aconteceu com Goya, seu pintor preferido.
A “corrida de toros” foi depois da arte, sua maior paixão, e seus aniversários foram sempre ocasião, para seus amigos, dedicarem –lhe as corridas; matadores célebres, como Ortega, Ordoñez e Dominguin vieram especialmente de sua pátria com essa intenção.
Um dia …Picasso nos diz, a Renato Guttuso e a mim (Osvaldo Patani) em espanhol; ele falava frequentemente em espanhol, sobretudo aos italianos e cada vez que podia: “As pessoas imaginam que pintava ao vivo as “corridas de touro” de meus antigos quadros mas elas se enganam. Na época eu tinha um pouco mais de vinte anos e era pobre.
Eu os pintava nas vésperas das corridas e justamente para pagar as entradas.
Eu sempre pintei e desenhei a partir de minha imaginação e sem modelos , com excessão dos retratos”.
Picasso lembrava-se , entre outros que os momentos que contam na sua vida “são os chamados “momentos de crise”.
Ele nos mostrou por volta de 50 quadros e o mesmo tanto de cerâmicas, afirmando que ele criou tudo com curiosidade e que ele se sentia um “terrível curioso”. Palavras de Picasso: “Minha curiosidade ultrapassa todos os limites da curiosidade”. No que concerne à arte, ele a definiu da seguinte maneira: “Na minha opinião , na arte não há nem passado e nem futuro. Se uma obra de arte não tem uma envergadura tal que ela possa viver sempre no presente, ela não deve absolutamente ser levada em consideração.”
Sabartès confiou-me que “desde sua adolescência, Picasso tinha uma genialidade, uma inspiração brilhante, um toque de loucura e o dom da improvisação”.
Um amigo que afirma não conhecer nada de pintura disse-me: “ Eu sou incapaz de explicar-me isso: certas obras de Picasso parecem francamente feias, grotescas e por vezes incompreensíveis, anormais, e no entanto quando olho para elas, qualquer coisa se agita no meu interior.
Eu não sei como explicar, mas no fundo elas me agradam muito”. Eu estou seguro que um tal julgamento faria Picasso chorar…
O desenho é mais revelador que uma pintura pois ele suscita desde o primeiro contato uma impressão de frescor e de descoberta.
Para Picasso, o desenho aprofundou-se com a idade.
O esplendor da arte de Picasso é um segredo inerente à natureza do gênio inato, natureza que se faz mais e mais profunda.
Durante séculos, o desenho foi um meio de expressão “privilegiado” da poesia. O desenho é um poema visível.
É difícil parar de olhar os desenhos de Picasso. A cinco séculos de distância, existe um elo sentimental que por vezes influencia Picasso…
Um elo que lembra a maneira de Picasso desenhista no decorrer de sua longa travessia terrestre; em relação com suas próprias imagens, ele chegou a ver as possibilidades que se apresentavam à sua imaginação com uma liberdade sem medo, dando vida, sob nossos olhos, a variações infinitas graças ao ritmo de suas mãos ricas de força criativa, em uma série de ideias variadas, mas constantes no tempo.
Picasso tinha mãos rústicas com dedos curtos e grossos mas mãos de rei Midas e olhos flamejantes, um pouco alucinadores e magnéticos. Seus desenhos, vivos e palpitantes , são na obra de um prodígio que visava valores estrangeiros à sua época. Era um desenhista nato, para ele tudo se tornava simples e fácil.
Os desenhos de sua velhice executados ao curso dos 3 últimos anos de sua vida, originais por sua concepção, e por vezes no limite da caricatura no plano estético mas sem jamais cair nela apresenta personagens com tendências mais profundas que parecem viver por vezes eroticamente, sob os próprios olhos do espectador.
Talvez o espírito dessas folhas do álbum com traço penetrante e de uma liberdade que imita os clássicos tira sua inspiração dos desenhos de Le Kytos (sec. V a.C.) que Picasso observou de perto.
Na sua longa vida , ele sempre foi jovem e não somente durante a fase juvenil de sua arte.
Esses desenhos produzem o efeito de um toque de trombeta.
O que isso significa?
Uma poesia desenhada, serena na aparência, mas atravessada por uma inquietude obscura, genial, sensual, e pela força juvenil de um animal selvagem. A verdadeira força criativa de Picasso.
É emocionante observar e admirar o desenho executado em 21 de fevereiro de 1973 e a dedicatória “ Pour Nounours, mon ami. Picasso, le 19 mars 1973”, vinte dias antes de nos deixar.
Por essa razão repetimos o ÚLTIMO DESENHO DE PICASSO.
O grande mestre.